COVID-19 e o paciente com câncer: vulnerabilidades e preocupações
BY MARCIO ALVAREZ-SILVA
Com a explosão do COVID-19 no mundo, muitas prioridades em saúde pública rapidamente se voltaram para o atendimento dos pacientes devido a urgência e gravidade da doença. Segundo a Organização Mundial da Saúde, pessoas idosas e ou de qualquer idade com condições preexistentes (como doenças cardíacas, diabetes, doenças respiratórias condições) são mais suscetíveis a desenvolver sérias complicações médicas relacionadas ao COVID-19. Os pacientes com câncer são um grupo de risco muito alto para o COVID-19. Eles já são mais vulneráveis a infecção por causa de sua doença ,e como se encontram frequentemente imunossuprimidos, estão em alto risco de desenvolver as complicações graves pelo coronavírus [1].
A revista The Lancet publicou um interessante editorial: Redefining vulnerability in the era of COVID-19 [2]. Este editorial discute o grau de exposição ao coronavírus e a vulnerabilidade à doença: “Grupos de pessoas vulneráveis são aqueles que estão desproporcionalmente expostos ao risco, mas quem está incluído nesses grupos pode mudar dinamicamente.” As mudanças de grupos sociais são decorrentes das estratégias de distanciamento social. Grupos sociais antes não considerados vulneráveis no início de uma pandemia podem se tornar vulneráveis dependendo da resposta política adotada por cada país no combate a pandemia [2]. O recrutamento imediato dos diversos profissionais de saúde e membros de ações comunitárias para o combate a pandemia, logicamente os colocou na linha de frente ao combate da pandemia e, consequentemente também os incluiu como grupo de alta vulnerabilidade ao COVID-19. Por isso muitos destes profissionais ficaram doentes pela exposição ao vírus. Aproximadamente 20% da força de trabalho contra a pandemia necessitou ser afastada e isolada por suspeita de COVID-19 no Reino Unido [3].
Cada país tem suas políticas próprias de saúde. De uma hora para outra o sistema de saúde nos mais diversos países tiveram de aprender e desenvolver estratégias para lidar com a pandemia. Isto repercutiu no modo como a assistência hospitalar teve de ser remanejada de modo a atender a alta demanda de pacientes que se instaurou nos hospitais ao redor do mundo. Isto não tem impedido o colapso do sistema de saúde. O número muito grande de pacientes necessitando de isolamento e cuidados especiais frente ao grave quadro respiratório do COVID-19, sobrecarrega a capacidade estabelecida dos sistemas de saúde em vários países.
No sentido de tentar diminuir o impacto no colapso o sistema de saúde, o recrutamento de profissionais das mais diferentes áreas da saúde e voluntários para se associarem as equipes de atendimento aos pacientes com o COVID-19 tem sido uma importante estratégia. A integração de profissionais de saúde para integrar as forças de combate a pandemia trouxeram situações muito preocupantes para os pacientes oncológicos: 1) diminuiu significativamente o número de profissionais para tratamento e apoio clínico oncológico, como médicos, enfermeiros, farmacêuticos, auxiliares, nutricionistas e psicólogos, e 2) o grande número destes profissionais ficaram também doentes em decorrência do combate a pandemia.
Devemos também considerar que uma grande parcela dos profissionais de saúde teve sua saúde deteriorada pelo forte stress físico e psicológico a que tem sido submetido em seus postos de trabalho. Certamente, em meio à pandemia do COVID-19, os grupos vulneráveis não são apenas idosos, pessoas com doenças e comorbidades, ou pessoas desabrigadas , mas também pessoas com dificuldades mentais ou físicas para lidar com a pandemia [2]. A sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde para lidar com a pandemia tem um forte impacto na força de trabalho e cuidados para os pacientes oncológicos. “A pandemia significou uma transformação de todos os aspectos do tratamento do câncer, independentemente do tratamento, internação ou ambulatório, e intenção radical ou paliativa”, disse James Spicer (Guy's and St Thomas' Hospital NHS Foundation Trust, Londres, Reino Unido) [3]. Como muitos profissionais da saúde foram recrutados para o combate ao COVID-19 (e muitos ficaram doentes), isso resultou em uma diminuição de membros nas equipes de tratamento tanto ambulatorial, quanto para internação dos pacientes oncológicos, inclusive com a redução de muitos procedimentos, como cirurgias, radioterapia e quimioterapia. O alto risco de exposição do paciente oncológico no ambiente hospitalar e a diminuição do corpo clínico para atendimento são motivos de grande preocupação, já que não temos, na maioria dos países, uma política para realização procedimentos mais simples ao nível domiciliar.
Os profissionais de saúde recrutados para o combate ao COVID-19 são submetidos a um forte stress físico e psicológico.
Na medida do possível, esforços são tomados pelos Centros de Tratamento de Câncer para que suas equipes de trabalho não sejam deslocadas para os hospitais que estão ativamente envolvidos no tratamento da pandemia. Os departamentos de Oncologia e Radioterapia devem idealmente permanecer como livres de COVID-19. A presença de pacientes nos Centros de Tratamento de Câncer deve ser minimizada. Quaisquer medidas que permitam o tratamento dos pacientes ao nível domiciliar devem ser encorajadas. Isto inclui telemedicina e chamadas telefónicas para realização de consultas não presenciais. Quando possível, a substituição de drogas intravenosas por drogas orais (por exemplo, quimioterapia e terapias hormonais). A administração domiciliar de medicamentos intravenosos e subcutâneos deve ser estimulado quando possível. O ajuste dos horários de dosagem dos tratamentos de quimioterapia ou radioterapia pode ser considerado para reduzir a frequência de internações hospitalares (por exemplo, a cada 3 semanas, ao invés da administração semanal, dos protocolos quimioterápicos ou radioterápicos). Além disso, alguns pacientes com doença metastática de evolução lenta, poderiam receber pausas temporárias no tratamento a critério do oncologista, com avaliação da doença estendida a cada 2-3 meses, para evitar internações hospitalares [4]. Muitas modificações para administração de quimioterapia e radioterapia devem ser adotadas para aumentar a segurança do paciente e evitar a sua infecção pelo coronavírus.
O objetivo é minimizar a circulação de pacientes e diminuir ao máximo o risco de infecção pelo coronavírus. Por isso o papel das Organizações não Governamentais, pode ser decisivo no sentido de orientar a população oncológica, em como buscar as melhores estratégias e tirar todas suas dúvidas através de centros para orientação do paciente via remota, por telefone ou internet.
A admissão de pacientes oncológicos com COVID-19 nos Centros de Tratamento de Câncer deve ser evitada. Entretanto se tais pacientes forem admitidos no hospital, devem ser isolados de outros pacientes com câncer e encaminhados para departamentos especializados no combate à COVID-19 o mais rápido possível [4].
O atendimento aos pacientes mais idosos (acima de 70 anos) é uma preocupação, posto que representam grupo de maior risco entre os pacientes oncológicos. Na medida do possível, alternativas à terapia padrão que têm poucos efeitos colaterais no sistema imunológico (por exemplo, terapia endócrina versus quimioterapia) devem ser favorecidas [5]. Medidas de confinamento social, cuidados de suporte e ajuste dos horários de tratamento (por exemplo, aumento dos intervalos entre tratamentos, redução de doses e fracionamento alternativo de radioterapia) devem ser amplamente utilizados também em pacientes mais jovens, quando apropriado [5].
Pacientes com câncer de pulmão representam ainda o nível mais alto de risco para o COVID-19 entre os pacientes oncológicos. O cenário já sombrio para os pacientes oncológicos, parece ser ainda mais grave para pacientes com câncer de pulmão devido ao alto risco de interferência da COVID-19 com o manejo terapêutico pelas complicações pulmonares resultantes da infecção. Em relação às manifestações clínicas, a piora dos sintomas pulmonares durante a progressão do câncer de pulmão pode ter semelhança com COVID-19, adicionando mais dificuldades à avaliação completa do curso da doença em pacientes com câncer de pulmão e dificultando o diagnóstico de COVID-19. Como resultado isto pode representar um desafio para os médicos em distinguir a evolução do câncer de pulmão de uma potencial superinfecção pelo COVID-19, o que é extremamente importante, pois são condições específicas, e que exigem abordagens terapêuticas muito diferentes [6].
No geral, o tratamento de pacientes oncológicos pode ser um desafio durante a atual pandemia de COVID-19. Embora os Centros de Tratamento de Câncer devam usar diretrizes semelhantes consistentemente para o manejo do paciente, algumas decisões terão que ser tomadas individualmente, de acordo com as características da doença e a história do paciente. A tomada de decisões não deve levar à perda de oportunidades terapêuticas para os pacientes oncológicos, já que a recaída ou progressão da doença coloca esses pacientes em grande risco [7].
Referências:
1. The Lancet, O., COVID-19: global consequences for oncology. The Lancet Oncology, 2020. 21(4): p. 467.
2. The, L., Redefining vulnerability in the era of COVID-19. The Lancet, 2020. 395(10230): p. 1089.
3. Mayor, S., COVID-19: impact on cancer workforce and delivery of care. The Lancet Oncology.
4. You, B., et al., The official French guidelines to protect patients with cancer against SARS-CoV-2 infection. The Lancet Oncology.
5. Mourey, L., et al., Taking care of older patients with cancer in the context of COVID-19 pandemic. The Lancet Oncology.
6. Calabrò, L., et al., Challenges in lung cancer therapy during the COVID-19 pandemic. The Lancet Respiratory Medicine.
7. Malard, F. and M. Mohty, Management of patients with multiple myeloma during the COVID-19 pandemic. The Lancet Haematology.
This article was published in Understanding Cancer magazine, May 13, 2020.